segunda-feira, 19 de novembro de 2012

A INTERNAÇAO COMPULSÓRIA E O DIREITO DE IR E VIR

No Brasil, não somente nos grandes centros urbanos, é crescente a quantidade de indivíduos que, por motivos os mais diversos, se vêem em total descontrole pessoal e sem autonomia, inclusive no controle da própria liberdade de ir e vir, em razão do uso constante e exacerbado de drogas, notadamente o denominado “crak”, e a agora o “desirré”, que segundo especialistas resulta de uma criminosa e mortal combinação entre a maconha e o crak, derivado letal da cocaína.

O país possui mais de 5.500 municípios, na extensão territorial que todos nós conhecemos, e já se tem notícias de que a “tragédia” se encontra disseminada em boa parte destas regiões, trazendo graves e reais preocupações dos poderes constituídos locais.

Entrevistado na última semana pela Globo News, o incomparável Ministro Luiz Ayres Britto, agora aposentado, e que nos deixa muitas saudades pela sua postura ética e ponderada, quando perguntado pela repórter, que fazia alusão à sua trajetória na condição de Ministro do STF, disse que das ações que em foi Relator no período, àquela que mais lhe marcou foi a que tratou da liberdade de imprensa.

Disse isso, apesar do festejado Ministro ter capitaneado, na condição de Relator, outros tantos processos /ações de extrema relevância para o país, dentre eles: a questão da pesquisa com célula tronco, a demarcação de terras indígenas na Reserva Raposa do Sol, no norte do Brasil, a união estável entre pessoas do mesmo sexo, e naturalmente o citado processo, que cuidou na análise da Lei de Imprensa e a sua recepção pela atual Constituição.

É certo que o posicionamento do Ilustre Ministro, que ficará, minimamente pelo seu denodo e temperança, indelevelmente inscrito nos quadros do Supremo Tribunal, revela a importância da liberdade em todos os sentidos, especialmente, depois do período de exceção vivido anteriormente a nossa Constituição de 1988.

No mais, se infere que, diante de todas as agruras sofridas nos tempos de exceção, e notadamente pelo receio de retrocesso ou abertura a atos de exceção, foi genuína a conseqüência de uma Constituição que tece detalhes quanto a liberdade pessoal e se esmera em filigranar o máximo de situações, exatamente para minimizar o retorno de tempos em que o Estado agiu de forma intensa e pesadamente sobre o individuo, até afrontando a dignidade e degradando em muito a condição humana e social da pessoa.

Portanto, a nossa Carta Magna, imprime importância capital a liberdade do indivíduo, e por conseqüência, a liberdade da vida em sociedade.

Não obstante, é preciso que tenhamos uma visão pragmática, sem o desejo de ferir a liberdade do indivíduo, confrontando e estabelecendo, se necessário, a devida mitigação deste instituto com os demais postulados pugnados pela Carta Magna, sob pena de estreitarmos a leitura em fragmentos, ou sermos tolhidos de uma visão sistemática em relação aos demais direitos e deveres consignados a todos brasileiros, tanto àqueles inseridos em nossa própria Carta Política, quanto àqueles decorrentes e derivados.

Em recentes reportagens televisivas, e mesmo quem vive aqui na Cidade do Rio de Janeiro, presencia e assiste, hordas de viciados que trafegam, transitam, correm, desembalam, interferem, colocando vidas de terceiros em alto risco, quando invadem ruas e avenidas de grandes movimentos, diuturnamente, amassando veículos, atrapalhando o transito, e o pior de tudo, criando sérios riscos de acidentes graves nas rodovias que cortam a cidade.

Noutros pontos dos municípios se vêem drogados/viciados invadindo áreas ferroviárias, inclusive tendo como resultado fatal para alguns que circulam, sem o mínimo de compreensão do que ocorre, porque completamente alucinados pelo consumo das drogas.

Ora, a liberdade de ir vir tem seu limite. Não é uma vertente única e definitiva da nossa Constituição. E a coletividade? Como se protege desta triste onda de horror e epidemia que atinge a maioria das regiões brasileiras?

Será que o simples fato de alegar que existe o direito de ir e vir inibe todo e qualquer outro direito? A resposta é logicamente não.

Se assim fosse, por exemplo, o individuo poderia, de forma incorreta, compreender que poderia transitar, ingressar em qualquer lugar, propriedade e espaço público ou particular, sem ser importunado, porque estaria na supremacia do seu direito de ir e vir.

Evidente, que numa simples e singela abordagem, não se pretende atingir e descrever todas as possibilidades de controvérsia sobre um tema tão discutido na atualidade, que é exatamente o direito de ir e vir do brasileiro viciado/drogado/ dependente, que vive intensa e desproporcional “enfermidade”.

“Enfermidade” que provoca danos a sociedade, tais como expor outros cidadãos ao perigo, como tem ocorrido ultimamente nas grandes cidades, sem contar os casos mais graves em que tais dependentes cometem crimes de furto e roubo nas redondezas, os mesmos ou piores delitos em seus próprios ambientes de trabalho ou residência, para sustentar o próprio vício que, conforme já se sabe, não tem fim senão a própria morte, minimamente a psíquica e física.

Em síntese, existe uma discussão surda que, equivocadamente, utiliza uma visão fragmentada do direito, notadamente o constitucional, que conclui em anular e desconsiderar qualquer outra contrapartida e obrigação dos sujeitos, que também estão insculpidos na mesma Carta Magna.

Noutro aspecto, é interessante que busquemos não somente paralelos, mas também sopesar outros direitos que devem ser mitigados e colocados na ponderação dos valores jurídicos e sociais, quando da necessária avaliação se é possível ou não a custódia e internação compulsória dos viciados e dependentes em alto grau.

O Ministério Público Estadual e Federal, com todas as vênias ao eventual pensamento contrário, bem como o Judiciário, e na execução o Poder Executivo, são chamados a atuar de forma urgente e eficaz, de preferência de forma conjugada, para minimizar os danos provocados por essa verdadeira, triste e perigosa “epidemia” social.

Renovando escusas aos que defendem forma diversa, a tutela coletiva deve sobrepujar a tutela individual, até para obtenção da universalidade dos direitos do conjunto da sociedade, pugnada ardorosamente pela Carta Magna.

Ademais, é preciso considerar que o fato de indivíduos, sem a devida autonomia da vontade, com seus sentidos prejudicados pela ação do narcótico, devem receber a proteção do Estado (Municípios, Estados e União Federal), através de seus órgãos, mesmo que seja através da internação compulsória, combatida por alguns, em certa medida pelo receio de aplicação indevida, com eventual ferimento aos preceitos constitucionais.

Louvável a preocupação com o direito individual à liberdade, que deve ser aplicado em toda extensão, nas situações de normalidade de saúde, compreensão e autonomia da vontade do drogado/viciado. O que, convenhamos, não é o que ocorre com determinados tipos de drogas, que transmudam pessoas em verdadeiros animais irracionais, conferindo sérios prejuízos ao próprio usuário viciado, a sua família, e todos que se encontram na sua esfera de contato.

Importante destacar que, vários crimes capitulados no Código Penal, podem ser utilizados como suporte legal de justificativa, posto que corriqueiramente praticados pelos viciados/dependentes, o que por si só, obriga e responsabiliza a atuação do Estado, na apreensão criminológica dessas pessoas, sem afronta a legalidade.

Desse modo, também porque tais indivíduos oferecem e colocam em risco os demais e a coletividade, devem ser segregados, mesmo que temporariamente, para tratamento médico terapêutico, intensivo e necessário à sua recuperação, sob pena de provocarem maiores danos, não somente a sociedade, mas também a sua própria integridade física e mental.

Portanto, a apreensão ou internação compulsória de viciados/dependentes, na nossa visão, exatamente para atender os preceitos legais, em especial a nossa Constituição, possui lastro jurídico e legal para implementação, especialmente na perspectiva da necessária tutela de proteção estatal ao individuo viciado/dependente quanto à sua própria integridade e, por conseqüência, também, a necessária proteção social da coletividade, que no atual quadro, por incrível que pareça, é quem se encontra limitada, para o dizer o básico, no seu direito de ir e vir.

Autoria: Vandeler Ferreira da Silva OAB/RJ 113.274